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Educação, Saúde Única, Saúde Mental em debate no 42º Congresso Brasileiro da Anclivepa 2023

01 de junho de 2023

A preocupação com a qualidade do ensino da Medicina Veterinária foi tema do Simpósio de Educação que abriu o 42ª Congresso Brasileiro da Anclivepa 2023, realizada entre os dias na 24 e 26 de maio, em Fortaleza, no Ceará. De acordo com os organizadores, o evento reuniu aproximadamente seis mil participantes. Para falar sobre os cursos de graduação, a presidente da Comissão Nacional de Educação da Medicina Veterinária (CNEMV/CFMV), Maria José de Sena, ex-reitora da Universidade Federal de Pernambuco, apresentou o diagnóstico realizado pela CNEMV/CFMV sobre a qualidade de 40 projetos pedagógicos dos cursos de Medicina Veterinária aprovados pelo Ministério da Educação (MEC), no período de 2018 e 2021.

A presidente mostrou a análise que a comissão fez de 215 instituições de ensino superior (IES), que participaram do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), em 2019. O estudo apontou que 144 IES apresentaram notas de 1 a 3, quando a escala referencial do Enade estipula 5 como nota máxima na avaliação dos cursos. Para Maria José, a questão da qualidade do ensino na Medicina Veterinária é responsabilidade de todos e são os profissionais atuantes quem devem defender essa causa. “Hoje já são 536 cursos de Medicina Veterinária. O Brasil forma mais profissionais que a demanda do mercado pode suportar, não há vagas para todo o mundo”, enfatizou a presidente da CNEMV.

Outro ponto defendido pela palestrante foram as atividades práticas durante os anos de graduação. “A prática é que vai permitir ao aluno ter a vivência com a Medicina Veterinária e se sentir inserido. O problema é que os egressos estão saindo das universidades sem a prática, que é fundamental para o entendimento da abrangência da profissão”, assinalou. O simpósio também teve análise de cursos de pós-graduação, apresentada pelo presidente da Anclivepa Brasil, André Lacerda, professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf); e dos programas de residência em Medicina Veterinária, em uma explanação da preceptora e tutora dos programas de Residência em Medicina Veterinária da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Virgínia Lunardi, ex-integrante da Comissão Nacional de Residência em Medicina Veterinária do CFMV.

Palestra técnica

A programação do 42º CBA 2023 contemplou, ainda, painel com palestras técnicas ministradas com convidados nacionais e internacionais. No período da tarde, a médica-veterinária Mitika Hagiwara, mestre e doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), chamou a atenção do público para o tema “Otimização do Diagnóstico baseado no raciocínio crítico”. O raciocínio crítico, segundo a médica-veterinária, é uma capacidade inerente a todos os profissionais, facilitada a partir de uma boa anamnese, observação, interpretação e análise de dados coletados. O conceito compreende três etapas: formulação de hipótese, pensamento hipotético dedutivo e observação de resultados. “Ao clinicar um paciente, é fundamental analisar todas as hipóteses, imaginando as possiblidades para aquele caso, aceitando ou extraindo informações. Quando eu faço esse tipo de raciocínio, consigo chegar mais fácil ao diagnóstico e tratamento. Muitas vezes, o profissional não precisa fazer diversos exames, ou prescrever os medicamentos mais caros, o raciocínio clínico é suficiente. Deixar a natureza agir é mais inteligente que que ficar ministrando muita medicação”, afirma.

Simpósio de Saúde Pública

Durante o Simpósio de Saúde Pública, que abriu o segundo dia do 42º Congresso Brasileiro da Anclivepa (CBA 2023), o médico-veterinário Nélio de Morais, presidente da Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária (CNSPV/CFMV), defendeu que a vigilância em zoonoses seja feita pelo viés da saúde única. O evento ocorreu de 24 a 26 de maio de 2023, em Fortaleza (CE). O presidente e os integrantes da comissão traçaram um panorama com as principais zoonoses que acometeram a humanidade nos últimos anos, como a pandemia da covid-19, a influenza, a leishmaniose visceral e a raiva, dentre outras. Durante a apresentação, Morais mostrou como a interligação entre o meio ambiente e a saúde animal podem impactar a saúde humana, contemplando o contexto de saúde única. A CNSPV destacou também as doenças relacionadas à baixa cobertura de saneamento básico no país, como a leptospirose. “A leptospirose é uma doença grave, de impacto na saúde pública e com alto índice de letalidade, em alguns momentos superior à dengue”, alertou Morais, que ainda abordou a importância da notificação de casos dessas enfermidades, mesmo que de forma compulsória, para a adoção de medidas e políticas públicas que visem à vigilância e ao controle.

No período da tarde, o presidente da CNSPV proferiu outra palestra, com o tema “Hesitação vacinal na saúde humana e seus possíveis reflexos na Medicina Veterinária”. Ele explanou sobre o contexto histórico das doenças e das vacinas como forma de prevenção na interface das saúdes humana e animal. Sobre o calendário vacinal de animais, Morais afirmou que o médico-veterinário tem papel essencial para esclarecer os tutores sobre os benefícios das vacinas para a saúde dos pets e desfazer alguns mitos. “A vacina ainda é a melhor forma de controlar o avanço das doenças imunopreveníveis”, assinalou.


Simpósio de Saúde Única


Como parte da programação, o 42º CBA discutiu os desafios enfrentados pela Medicina Veterinária na sociedade organizada, no âmbito da saúde única. O médico-veterinário Paulo Abílio Varella Lisboa, pesquisador da Fiocruz; a médica-veterinária Jessika Caroline Ferreira, pesquisadora do Proúnica, da Fiocruz; e a psicóloga Bianca Gresele, coordenadora de Saúde Mental da Anclivepa Brasil e presidente da Ekôa Vet, foram os palestrantes do painel. Paulo Abílio palestrou sobre “O desafio da interrelação entre sociedade, Veterinária e saúde única”, em que apontou os aspectos perversos da vulnerabilidade social. Ele ressaltou que a saúde única é baseada na relação indissociável entre humanos, animais e ecossistema, devendo proporcionar o bem-estar coletivo.

O pesquisador promoveu reflexões ao apontar dados que demonstram que o Brasil possui a maior população de médicos-veterinários do mundo, com 77,4 profissionais por habitante, conforme a Demografia da Medicina Veterinária do Brasil, com destaque para a população de cães e gatos no país: segundo o Instituto Pet Brasil, são 54,2 milhões de cães e 23,9 milhões de gatos. “Temos que pensar sobre o nosso papel e a nossa relação. Temos mais cães e gatos do que crianças domiciliadas. Pensar nos altos números é pensar na vulnerabilidade, na população de animais abandonados e/ou lotados em ONGs (Organizações não Governamentais) ”, ponderou.

O médico-veterinário ainda relembrou da Agenda de 2030 (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), com ações para acabar com a pobreza, erradicar a fome, combater a desigualdade entre países, promover sociedades pacíficas e proteger os direitos humanos. Ele explicou que as questões sociais impactam diretamente o trabalho do médico-veterinário, visto que os locais com mais frequência de surtos zoonóticos são os que abrigam as populações vulneráveis.

“Erradicar a pobreza é um desafio de todos nós. Pesquisas apontam que os lugares de concentração das classes D e E são áreas com potencial zoonótico. Estamos falando de babesiose, leishmaniose, hepatozoonose, tripanossomíase, rangeliose, febre maculosa e outras”, ponderou o pesquisador.
Em seguida, a pesquisadora do Programa de Saúde Única (ProÚnica) da Fiocruz, a médica-veterinária Jessika Caroline Ferreira, falou sobre “Da atenção primária à saúde animal no processo de adoção”, momento em que apresentou as experiências e dificuldades vividas no programa. O ProÚnica é um programa da Fiocruz que busca um território mais saudável, promovendo manejo humanitário dos animais, controle de zoonoses, atenção veterinária, educação e ações sociais.

Simpósio Saúde Mental

Para encerrar o painel de simpósios, a psicóloga Bianca Gresele conduziu o Simpósio de Saúde Mental. Como orientadora de uma pesquisa inédita realizada com médicos-veterinários no ano passado, na qual 84% dos entrevistados se declararam deprimidos, ansiosos ou irritados, ela fez diversas provocações ao público. Na sua avaliação, temas relacionados à saúde mental são cada vez mais necessários nas pautas de educação e em eventos voltados a uma das profissões com maior prevalência de burnout e depressão. “É vital desenvolver uma cultura que reconheça de forma explícita os riscos para o bem-estar físico e mental dos médicos-veterinários. Tornou-se de extrema importância promover abordagens e métodos de autocuidado para a saúde mental nessa área”, afirmou Bianca.

A pesquisa foi realizada em 2022, com dois mil médicos-veterinários, principalmente da área de pequenos animais, de 25 a 65 anos de todo o país. Os índices apontaram ainda que, para 93% dos profissionais, o nível de estresse é um dos principais desafios da profissão, sendo que 72% consideram essa questão um problema crítico. Metade dos profissionais relatou que a carga horária é maior do que a desejada e 42% trabalham com frequência no período noturno ou em fins de semana e feriados.

O médico-veterinário Kaleizu Rosa, deu continuidade ao Simpósio de Saúde Mental falando sobre a Síndrome de Burnout. Levantamento da International Stress Management Association (Isma/2022) mostra que o Brasil é o segundo país com mais casos da doença. O número de casos supera países como Estados Unidos e Alemanha. O Brasil está atrás apenas do Japão, que tem 70% da população atingida pela doença.

Para dimensionar a doença define-se Burnout como uma situação além da exaustão, em que muitas pessoas permanecem por dias, meses e até anos. Na medicina veterinária, desfechos desfavoráveis, atendimentos emergenciais, sobrecarga de trabalho, conflitos éticos, baixa remuneração entre outros fatores levam muitos profissionais ao burnout. “Não podemos culpar a medicina veterinária, temos que aprender a administrar as nossas emoções, só saberemos nos expressar a partir de uma boa saúde mental. Não tem como eu me sentir bem, se eu não me alimentar bem, se eu não tiver momentos de lazer, se eu trabalhar nos fins de semana mesmo que eu ame minha profissão”, diz Kaleizu. “Se não houver descanso, férias, sono regular, o corpo vai pedir remédio, o cortisol vai subir, a imunidade vai cair. Portanto, tão importante quanto conhecer a parte técnica é conhecer as próprias emoções e os próprios limites, completa.


Mulher na medicina veterinária

“Lugar de mulher é onde ela quiser!”. A frase pode soar como clichê, mas é cada vez mais importante que seja dita e reforçada, principalmente em rodas de conversas, como o Simpósio da Mulher na Medicina Veterinária, promovido no último dia do 42º CBA 2023. Foi o que defenderam as médicas-veterinárias Bruna Boa Sorte, Maria José de Sena, Vera Lúcia Machado, e a psicóloga Bianca Gresele, participantes do painel, que também abordaram os principais desafios a serem superados pelas mulheres na profissão.

Não por acaso, a Associação Mundial de Veterinária (WVA) e a HealthforAnimals escolheram como tema a promoção da diversidade, da equidade e da inclusão na profissão veterinária para celebrar o Dia Mundial da Medicina Veterinária em 2023. A médica-veterinária Bruna Boa Sorte, consultora na área de inovação e tecnologia, falou sobre o apontamento do estudo do Fórum Econômico Mundial, que afirma que o aumento da presença feminina no mercado de trabalho poderia acrescentar US$ 12 trilhões à economia mundial até 2025.

“Mulheres têm que ocupar os espaços no mercado de trabalho, elas trazem mais equilíbrio, geram mais valor monetário”, assinalou a médica-veterinária Bruna Boa Sorte, que compartilhou a sua trajetória na área de inovação e tecnologia. Para exemplificar a presença da mulher na Medicina Veterinária, a médica-veterinária Vera Lúcia Machado, presidente da Associação Nacional dos Clínicos Veterinários de Pequenos Animais do Rio Grande do Sul (Anclivepa/RS), apresentou uma linha do tempo com a inserção das primeiras mulheres na profissão.

“Os dados de presença das mulheres quase não existem nas primeiras décadas da Medicina Veterinária. A atuação feminina era destinada somente ao ensino e à clínica veterinária de pequenos animais”, expôs Vera Lúcia. Somente na década de 1980 foi que a presença feminina começou a ser acentuada. Já no ano de 1983, foi fundada a Academia Brasileira de Medicina Veterinária, que, hoje, conta com a participação de três mulheres, entre elas a médica-veterinária Mitika Hagiwara, professora titular da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (FMVZ-USP).

A médica-veterinária Maria José de Sena, presidente da Comissão Nacional de Educação da Medicina Veterinária (CNEMV/CFMV), defende que, atualmente, as mulheres podem ocupar os cargos que desejarem, desde a clínica de pequenos animais, passando pelo campo até os altos cargos de gestão nas universidades.

“Não estamos falando de força, mas de competência, determinação, respeito e resiliência. Nunca deixe de assumir o seu papel por conta de preconceitos e conceitos que não dizem respeito a vocês, mulheres, quando assumimos um compromisso, assumimos porque sabemos dos impactos e resultados que serão gerados”, enfatizou Maria José de Sena.

Questões como dupla ou tripla jornada, síndrome da impostora, violência doméstica, preconceito de gênero, assédio e machismo estrutural fizeram parte da pauta do debate. “Não estamos combatendo pessoas, mas sim o machismo, a desigualdade. É preciso abordar o tema da mesma forma como discutimos projetos e desenvolvimento”, assinalou Bruna Boa Sorte, que complementou: “vamos fomentar o debate e pensar em soluções”.


Assessoria de Comunicação do CFMV, com apoio das assessorias do CRMV-SC e do CRMV-MT

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